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Decifrando a Dinamarca, em menos de 1 mês

Uma vez decidida a aventura desta viagem-pesquisa e definido que a Dinamarca seria o destino inicial, o acaso me levou a Hørsholm, uma cidade com cerca de 25 mil habitantes, 25km ao norte do centro de Copenhague e perto da costa do Øresund, o estreito que separa o país da Suécia. Depois de décadas vivendo em cidades brasileiras com população superior a milhões, Hørsholm foi uma caixa de surpresas e uma oportunidade de entender como se desenvolve a vida numa pequena cidade. Foi um acaso feliz. Ter ficado em Copenhague, como pensado no início, teria me privado da visão que só pude ter a partir do contraste com Hørsholm. Copenhague não é a Dinamarca de verdade, assim como o Rio não é todo o Brasil. O contraste permitiu ver o que uma horda de turistas podia ter escondido.

Os primeiros dias por lá foram de muita observação e surpresas. Chegando no meio da primavera, minha atenção era atraída pela natureza esbanjando cores nas árvores e luzes no céu durante dias com pouquíssimas horas do escuro da noite. A infraestrutura urbana com acessos bem cuidados para pedestres e ciclistas era digna de nota, sonho de consumo dos que transitam nas caóticas ruas das grandes cidades brasileiras ou nas despreparadas pequenas e médias cidades país afora. O silêncio das ruas de poucos carros e a ausência de buzinas e sirenes funcionava como um poderoso anti-ansiolítico. A segunda coisa mais surpreendente era a segurança. A clássica pergunta feita por turistas sobre onde não se deve ir e quais horas são perigosas para se caminhar sozinho parecia não ser entendida pelos locais. A resposta era uma cara de “Como assim?!!!” que me fazia sentir um pouco envergonhada de levantar a suspeita de que o país deles pode oferece perigo além do aceitável para quem o visita. Poder andar em ruas desertas depois das 10 horas da noite sem precisar ganhar um torcicolo de tanto olhar para trás, deixar de lado o tique da permanente fiscalização da bolsa pendurada no ombro, ter permissão de usar o celular para consultar aplicativos e falar quando quiser, é uma sensação que nos marca profundamente. Várias vezes ao dia nos lembramos de como é bom viver num lugar seguro e o desejo de que deveria ser assim, por aqui também, fica reverberando em nossas cabeças dias após nosso regresso à casa.

E, por fim, a mais surpreendente das surpresas: a facilidade de comunicação com as pessoas nas ruas, lojas, supermercados, praças, restaurantes. Surpreendente poder se dirigir elas e não receber de volta um olhar de censura à invasão de privacidade ou um semblante imediatamente armado, tentando descobrir se o desconhecido oferece algum perigo. Eu me senti no Nordeste das décadas de 70, 80 onde conversar com turistas ou mesmo pessoas a que não conhecíamos fazia parte do conjunto de boas maneiras que consolidaram nossa cultura de hospitalidade. Uma breve lembrança de tempos quando a insegurança não fazia parte da equação.

Algumas imagens de Hørsholm, com suas ruas calmas, laguinhos, museus e idosos. Muitos idosos.

Estas primeiras impressões me levaram a conversar mais com as pessoas para formar meu juízo pessoal sobre o povo e seu país. E, sem a pretensão de produzir análise embasada em qualquer conhecimento formal em economia, política, etc., comecei a registrar o que achei interessante. Vou elencá-los, sem ordem, da forma como as impressões foram surgindo, ou tenham sido anotadas nas conversas, com o aviso de que não pretendo generalizar ( sim, sei de gente que foi lá e detestou tudo, e tem estatísticas horrorosas sobre taxa de suicídio, depressão, etc.). Talvez eu tenha visto só um pequeno recorte da sociedade mas foi o que vi. E serve como inspiração para sonhar um mundo melhor.

  • Os dinamarqueses parecem acreditar que a felicidade é um processo. E, como tal, tem a ver com praticar e melhorar o desempenho. É uma espécie de treinamento mental e físico a ser dominado através de competências adquiridas, tendo os valores morais como balizamento. A felicidade é um processo subconsciente na Dinamarca, entranhado em toda área da sua cultura.
  • A felicidade pode ser alcançada, na maior parte do tempo, porque as expectativas são realistas. Tendo metas simples de alcançar, as pessoas podem relaxar e sentir-se livres da obrigação de ter muito sucesso material ou profissional. E, surpreendentemente, ainda conseguem achar prazerosas as atividades que por aqui já foram para o lixo do esquecimento. Eu me surpreendia vendo os piqueniques movidos a pão preto, pepinos, bananas com cara de travosas, grupos pequenos e papos com decibéis controlados. Conheço pouca gente aqui, no Brasil, que ia achar isto divertido. Sacar alguma felicidade daí, nem pensar. Não caí na armadilha de achar que podem ser felizes porque não tem expectativas, fugi sempre do estereótipo da frieza nórdica que tanto gostamos de comparar com o nosso calor latino. Há expectativas, elas apenas são definidas dentro de outros critérios e é socialmente aceito querer uma vida simples, dinheiro que baste e tempo que sobre para as coisas, bobas ou não, que lhes dão prazer.
  • Foi uma boa surpresa de conhecer os curiosos conceitos de Hygge e Jante’s Law cultivados por eles.
  • Hygge é uma coisa dinamarquesa que não se pode explicar apenas com um sinônimo. É um estado de espírito advindo de uma sensação de estar aconchegado em sua casa, cercado da família e amigos, preparando comida boa, lendo um bom livro, tomando um bom vinho ou chá. Ter a sensação gostosa de que estas coisas simples são as mais valiosas da vida. Todos com quem conversei falaram do hygge como um patrimônio imaterial dinamarquês. Faz sentido.
  • Jante’s law ( lei de Jante ) é um padrão de comportamento adotado pelos escandinavos que desestimula valorizar ou ostentar realizações pessoais e põe ênfase no esforço coletivo. Foi concebido pelo escritor Aksel Sandemose e é descrito através de dez regras que, basicamente, postulam que não se deve acreditar que se é melhor, mais inteligente, mais importante, mais sabido do que os outros; nem se pode achar que se é tão importante a ponto de todos os demais estarem sempre se importando ou se comparando conosco; e se deve acreditar que uma pessoa não é tão especial quanto pensa que é. Isto posto e introjetado, pode-se entender melhor um país onde a uniformidade é um valor e pode ser uma explicação, parcial, do porquê as políticas ditas sociais-democratas são mais facilmente aceitas na Escandinávia. Qualquer demonstração de autoadmiração e reconhecimento, brandida para os demais como um troféu, pode ser vista como arrogância e a sociedade tende a rejeitar pessoas que se sentem especiais e merecedoras do melhor, em detrimento de um padrão social médio tido como justo por todos para a coletividade. Um jeito de pensar bem diferente do que prevalece entre nós que perseguimos o sucesso, somos incentivados a nos sobressair, aparecer, ganhar e usas medalhas. Criamos nossos filhos chamando-os de príncipe ou princesa, diariamente os lembramos de como são lindos, simpáticos e inteligentes e como são alvos do amor mais especial do mundo: o nosso. Eles são especiais e merecedores de sucesso, a vida lhes será leve por isto e nunca deverão aceitar menos do que lhes é devido. Estamos na direção oposta dos que educam seus filhos lá no mundo nórdico. Os mais estudiosos do comportamento humano poderão elencar os prejuízos desta “lei”. Como observadora despreparada, pensei que para nós pobres mortais desprovidos de excedente de talentos e graça é reconfortante viver numa sociedade onde ser comum é aceito, onde a obrigação de se sobressair não deve existir. Eu me senti descansada, aliviada e em paz.
  • Eles não definem critérios de satisfação profissionais mesclados com altíssimo retorno financeiro. Também não parecem pensar que o trabalho vai preencher carências emocionais. Conseguem um equilíbrio perfeito entre o trabalho e a vida pessoal. Eles tem uma palavra que define a atitude do dinamarquês com o trabalho: arbejdglæde. Arbejde=trabalho. Glæde=alegria. Palavra que só existe nas línguas nórdicas e que parece explicar tudo. Permanecer no trabalho depois da hora definida para ir embora é tido como um indício de ineficiência ou, pior, de ser relapso com sua família. O tempo destinado ao trabalho não pode roubar horas do tempo destinado à vida pessoal. Esta é a hora em que celetistas brasileiros moradores de nossas grandes cidades pensam em sair quebrando seus escritórios e queimando móveis nas ruas em protesto às horas gastas em reuniões infindáveis, com retrabalho em consequência de projetos mal concebidos e contra o absurdo das leis trabalhistas que nos regem. Ah, uma curiosidade linguística. O japonês também tem sua palavra para definir a atitude com relação ao trabalho: karoshi, que significa “morrer por excesso de trabalho”. Se é isto mesmo, não sei, mas assim me contou um dinamarquês que me disse ter trocado 4 mil coroas ( mais ou menos 2 mil reais) do seu salário por mais horas livres para poder pescar e aprender a desenvolver serious games (jogos projetados para uso em planejamento, engenharia, políticas, educação, cuidado com a saúde, etc. ). Nesta hora os baianos dizem: “Grande novidade. Sempre quisemos fazer isto e sempre nos acusaram de preguiçosos. Mas dinamarquês fazendo significa saber valorar o que realmente importa”.
  • Os dinamarqueses acreditam que ser dono de muita coisa gera mais trabalho do que satisfação. Carro grande: mais impostos; casa grande demais: mais tempo limpando e mais dinheiro gasto para manter. As casas que visitei passavam a sensação de terem sido montadas com parcimônia, nada devia faltar ou sobrar.
  • As mulheres parecem encarar a beleza de forma saudável, com plena consciência de que uma coisa é a vida real, com sua iluminação imperfeita e outra coisa os holofotes, maquiadores, cabeleireiros, marqueteiros e photoshop que produzem as angelinasjolies, jenniferlawrences, beyonces e divas similares. Dá um certo conforto conviver com mulheres que não sensualizam 24 horas por dia. E, ao final, são bonitas, na hora e medida certa. Aliás, são muito, muito bonitas. É permitido ter rugas, celulite, cabelo original. Parece não fazer parte dos planos de muitas comprometer tempo e salário com cosméticos e cirurgias rejuvenescedoras. Quanto tempo mais elas resistirão à promessa da beleza absoluta e da juventude eterna, não arrisco prever.
  • As casas não reservam muitos metros quadrados para armazenamento de roupas, sapatos, bolsas, utensílios de cozinha de uso mais ou menos eventual. Se soubessem o quanto minha vida de classe média acumula de bugigangas, estava garantido causar espanto nas donas dos armários compactos que conheci por lá. Mas lembro de ter vivido um tempo, na minha infância nordestina, onde a abundância de coisas não era bem-vista. Dispensado o comentário de que “abundância e nordestina” não cabem numa mesma frase.
  • As casas são organizadas, limpas e minimalistas. E ninguém acusa de ninguém de ser careta, ou ter transtorno obsessivo-compulsivo, por prezar este tipo de estilo de vida. Cuidar da casa um pouco todo dia, fazer sua própria comida, usar com cuidado seus pertences é tão natural para o dinamarquês quanto escovar os dentes diariamente.
  • Acreditam que se cercar de tudo que apure seu senso estético, como boa música, livros, pintura, vai contribuir para aumentar sua a sensação de bem estar. Todos querem ter em sua casa uma peça ou réplica de um designer nacional.
  • A conta bancária não precisa ter a mesma montanha de dinheiro da do Warren Buffet, nem mesmo a de um político brasileiro. A grande maioria não almeja iates, carrões, casas hollywoodianas.
  • O sucesso não precisa ser de conhecimento mundial.
  • É incontestável o apreço deles pelas liberdades individuais: legalização do casamento gay e mudança de gênero, são temas aceitos sem maiores traumas sociais. Você pode escolher não ter filhos e não ser considerado como fora dos padrões de conformidade social. E, no entanto, eles gostam de adotar uma espécie de conformidade em outras áreas da vida. Gostam de se sentir uniformes, tendem a usar os mesmos modelos de roupas, cortes de cabelos. E de se sentir de acordo com sua faixa etária. Não lembro da cena corriqueira, aqui no Rio, de se estar numa fila atrás de uma jovem de 18 anos que se vira para nos surpreender com seu rosto “preenchido” desde que fez 50 anos de idade, há 10 atrás.
  • Diferenças sociais não são levadas a sério. Adoram frequentar clubes e pertencer a associações. É comum que professores, marceneiros, contadores, caixas de supermercado e executivos dividam uma quadra de tênis, jogando juntos. A educação dada a todos não cria um abismo cultural que impossibilite conversas ou convivência social por falta de informações ou boas maneiras.
  • Hierarquia não tem importância. “Somos iguais” é um sentimento predominante. Ninguém chama ninguém de senhor ou doutor.
  • A confiança é o valor basilar da sociedade. Eles confiam não só na família e amigos mas também nos estranhos na rua. Esta foi minha primeira surpresa. E isto parece fazer uma diferença enorme em suas vidas e níveis de felicidade. Eu também me senti feliz lá, sendo confiada. A sensação de ser considerada sincera e honesta, até prova em contrário, nos relacionamentos superficiais com lojas, repartições públicas, etc. há tempos se desgastou nas nossas experiências cotidianas, aqui no Brasil. Lá, as pesquisas indicam que 70% acham que se pode confiar em todos. E só 30% aconselham a atentar para os estranhos, antes de desconfiar deles. É comum ver pais dentro dos restaurantes e os carrinhos com seus bebês parados do lado de fora com todos confiantes de que não há risco de serem vítimas de alguma maldade. As casas de praia costumam ficar destrancadas. Eles confiam nas pessoas, no governo e no sistema. Têm orçamento minúsculo para defesa nacional pois acham que por causa das boas relações diplomáticas não serão atacados, não vislumbram possibilidade de guerra. A vida pode ser muito fácil quando há confiança.
  • Penso que a consolidação desta confiança tem muito a ver com o fato de que não anseiam se destacar por excesso de riqueza, com a satisfação com tudo o que o sistema de bem-estar social lhes assegura, com a certeza de que o sistema vai dar conta das necessidades básicas do seu povo.
  • Ao mesmo tempo, não acham que se deve depender só do governo. Eles querem ser conhecidos como uma sociedade tolerante, igualitária, solidária e feliz segundo padrões e valores. Os asilos e centros de convivência para idosos que visitei contam com o trabalho voluntário dos seus usuários. Muitas melhorias são feitas com dinheiro extra provido pela comunidade que não rejeita a ideia de contribuir mesmo tendo passado uma vida inteira de pagamentos de altos impostos. Sim, eles pagam mais impostos do que nós. E, sim, recebem de volta cada centavo pago via serviços de qualidade, conforme o acordado lá atrás.
  • Foi o primeiro país a abolir a escravidão ( tirando do placar os egípcios, romanos e gregos, com suas idas e vindas neste tema), em 1792. Têm igual apreço pela igualdade de gênero: as mulheres participam da vida parlamentar desde 1918. Forte indicador de um conceito de felicidade não centrado apenas no indivíduo e uma certeza de que o bem-estar de todos impacta positivamente na felicidade de cada um.
  • Achei bastante equilibrada a relação dos dinamarqueses com seus animais domésticos. Li que sua origem viking, de bárbaros, os impedem de humanizar os bichos. E a tradição de séculos como uma sociedade de agricultores os fazem pensar em bichos como bichos. Segundo nossa concepção do lado de cá do hemisfério eles tem muito a evoluir e muito mercado a explorar. Deve haver, mas não lembro de ter visto nenhuma pet shop, em Hørsholm.
  • O governo cobra altos impostos e em troca devolve grátis, sem cobrança adicional, educação (incluindo ensino superior), saúde, subsídio para quem tem filhos, seguro-desemprego (involuntário ou voluntário) de 80% do valor dos seus salários por 2 anos e pensão para aposentados. Homens e mulheres podem se aposentar aos 65 anos. Até 2022 a idade mínima sobe para 67 anos e de 2030 em diante, aumentará um ano a cada 5, dependendo do aumento da expectativa de vida no país. Justos mas realistas, fazem as contas e sabem que direitos se garantem com uma base financeira. Tudo isto vale para os imigrantes, também. Não pude deixar de me confessar pasma. Os cidadãos pagam seus impostos compreendendo ser necessário para a coletividade e se sentem tranquilos de que os mesmos serão bem utilizados. Há, para uma brasileira como eu, um incompreensível sentimento de confiança no governo.
  • Educação é um direito e um dever para o dinamarquês. Ninguém deve ser deixado sem ela e ninguém pode decidir não querê-la. Antes dos jovens entrarem na universidade – para aqueles que o desejam fazer, nem todos querem -, são incentivados a viajar pelo mundo, conhecer outras culturas, entender outros problemas de outros povos com o objetivo de ganhar maturidade antes de escolher a carreira universitária que querem seguir.
  • A saúde pública não tem maiores sofisticações mas realiza um grande esforço na educação da população para a prevenção. As pessoas visitam pouco os médicos e se consideram atendidas nas suas necessidades de assistência.
  • E eu que pensava que dieta mediterrânea era o único sinônimo possível para alimentação saudável. A mania por orgânicos beira a obsessão.
  • Transporte público: bom, pontual, farto e caro. Muito caro.
  • Consumo: muita coisa que dá vontade de comprar. Uma forte tendência para o consumo consciente. Movimentos incentivando não se comprar o que não se for usar. E muito adotado o hábito de se comprar em lojas de segunda mão.
  • O custo de vida lá é caro. Para quem ganha em real e também para quem ganha em coroa dinamarquesa.
  • Eu me deliciei com a descoberta de tudo o que há por trás da Lego, a maior empresa produtora de brinquedos majoritariamente convencionais, não eletrônicos, mundialmente conhecida, atualmente avaliada em mais de 14 bilhões de dólares e com a espetacular estatística de vender um brinquedo a cada segundo, para quase todos os países do mundo. A surpresa de saber que foi criada, em 1930, por um marceneiro dinamarquês, numa cidadezinha encravada em Jutland, uma região que considerei uma espécie de sertão dinamarquês. E a constatação de que os valores da empresa se misturam com os da sociedade. Algum outro país poderia ter criado este jogo que continua tendo apelo depois de 86 anos de vida? O Lego é ele mesmo um ancião e pode nos ensinar muitas coisas. Em tempo, Lego vem de “leg godt” que significa “jogar bem”.
  • Os melhores amigos do homem são a bicicleta e o andador – rollator, como o chamam. Mal aprendem a andar e já ganham uma bicicleta, sem rodinhas de apoio e sem pedais, para acompanhar, como puderem, os maiores em seus passeios. A família cresce, a bicicleta também, ganhando uma espécie de reboque onde vão os bebês. E elas seguem, como uma extensão do corpo, até idade avançada. Só largam a bicicleta para trocá-la pelo rollator que fazem o papel da imprescindível bicicleta, levando-os para todo lado, ajudando a carregar as compras e a manter a mobilidade de sempre. Resolvem, como muita sabedoria, a questão da locomoção.
  • Não vivi a experiência do inverno. Eu estava sempre perguntando às pessoas como é viver nesta estação, quase me sentindo como um personagem de Games of Thrones, apavorada com a iminência da neve e do frio que impossibilitarão a vida, quanto mais viver se sentindo feliz. Ouvia sempre a resposta de que era uma estação muito bonita. E eu preocupada se seria impossível sair de casa para ir ao supermercado, sempre ouvia que as calçadas eram limpas diariamente e era suficiente um bom sapato e casaco para ir às ruas sem medo de sofrer hipotermia. Todas as vezes em que levantei a hipótese de as ruas não serem limpas tive de volta a recorrente expressão do “ como assim?!!! “. Eles não sabem o que é não poder contar com a certeza da coleta de lixo.
  • Nós que vivemos num país onde a religião tem um lugar especial na vida das pessoas não podemos deixar de refletir sobre a relação simples que o dinamarquês tem com a fé. São, na maioria, protestantes luteranos e costumam ir às igrejas em 4 ocasiões especiais: batismo, primeira comunhão ( ou equivalente), casamento e funeral. Não propalam a fé nem a falta dela. A religião não parece movimentar a economia nem abrir espaços políticos. Uma coisa que me chamou muita atenção foi a naturalidade com que vi as pessoas usarem os gramados do cemitério de Kopenhagen ( Assistens Kirkegård ) para lazer: piqueniques, sentar e ficar lendo, papos em grupos de amigos. Um uso impensável para nós brasileiros.

É claro que nem tudo são flores. Há espinhos mas não me deixei ir em busca deles. Resolvi não entrar nesta seara mesmo porque desconfio que os que me espetam por aqui são em maior quantidade e mais pontudos do que os de lá. É claro, também, que falamos de um país com menos de 6 milhões de habitantes mas isto não deve ser argumento para se desqualificar a bela nação que construíram. Há vários exemplos de países deste porte cujos governantes não arriscariam perguntar aos habitantes que nota dariam a seu governo. A Dinamarca me deu mostras de que viver lá pode não ser passaporte para felicidade mas, com certeza, para uma vida tranquila num ambiente social propício ao bem-estar. Não me parece pouca coisa. E acho que se vivesse lá também teria a percepção de estar num país onde as bases para ser feliz estão feitas.